domingo, 23 de agosto de 2015

BICHO-PAPÃO



A menina vestia seu pijamas da Disney e se agarrava a seu coelhinho de pelúcia enquanto dormia profundamente. Observando de perto vemos uma expressão serena e um ritmo de tranquilidade em sua respiração. Então, de repente, ouve-se um barulho estranho, como se uma unha monstruosa arranhasse uma lousa. Nossa menina acorda assustada e olha para todos os lados de seu quarto. O que poderia ser? O que causou esse barulho ? Olhou para a sombra que as luzes da rua faziam na parede e parece ter visto uma silhueta humana.  Apavorada a menina forçou a vista para ter a certeza do que era  e o que viu foi mais apavorante do que um espírito ou demônio, mais surpreendente  do que qualquer personagem do folclore de terrores infantis.
Nas sombras, sabe-se lá por que diabrura ou magia, a menina viu todas as suas dores, todas as pessoas que iriam machucar seu coração, viu todos os rapazes que a deixariam chorando em fins de semana infinitos, viu todos os dias que passaria nos hospitais com doenças diversas que a miséria do mundo faz surgir, viu todos os amigos que iriam seguir suas vidas deixando assim que ela vivesse a dela, viu a morte de seus entes queridos e a passagem incontestável dos dias marcando sua face com a velhice, viu todas as suas derrotas e todos os seus inimigos. Seus olhos estavam enormes de terror e não sabia nem como interpretar tudo isso.
Então, por um impulso foi até a janela e olhou para o lampião que projetava sua luz sobre o quarto provocando as pavorosas sombras. E, para sua maior surpresa, quando fixou seu olhar na luz que a cegava viu todas as suas alegrias, viu os rapazes que a amariam profundamente e que ao abandoná-la a deixariam mais forte e madura, viu todas as pessoas que lhe faria dar gargalhadas a ponto de chorar de rir, viu as seríssimas conversas com amigos de confiança onde ela sentia que poderia contar absolutamente tudo, viu todas as vezes que sairia do hospital completamente saudável e todos os dias de vida renovada. Viu todas as sessões de cinema, todos os passeios na natureza, a beleza das praias, o amor de seus familiares que nunca poderá ser descrito, sentiu o cheiro dos diversos churrascos, contemplou os natais e os presentes, cada ano novo, cada prece atendida, cada abraço dado ou recebido, cada beijo, cada email de amor.  Viu sua velhice cheia de histórias onde cada cabelo branco lhe revelava o sentido de todas as coisas e onde cada peça de quebra-cabeça tomava o seu devido lugar. Viu todos os sorrisos de todos os seres, viu toda a bondade e compaixão em milhares de pessoas, viu o Sol que iluminaria todos os seus dias.
A menina voltou-se então para a parede de sombras onde ainda passavam todos os terrores de sua vida, e disse resoluta:
- Eu não tenho medo!

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