sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

SIM


Ela era casada e, para sua doce infelicidade, ele sabia disso. Há fatos que seria melhor ignorarmos, assim poderíamos executar certos atos sem os gritos da consciência pura e católica que mora em nossos órgãos genitais. Ele a levou para seu apartamento e todos sabemos o que isso significa nas horas altas de sábado (não há mais pureza restante na face da terra que ignore essas coisas). Ela aceitou o vinho e negou a vodca por motivos que só os deuses do álcool devem saber, mas isso já é aceitar silenciosamente a coreografia que desmaia na cama. Rapidamente estavam rindo de coisas que não são engraçadas e quando ele, corajosamente, tocou as mãos dela, sentiu o metal gélido da aliança e o terror tomou conta de sua alma. O horror passou como um lampejo em seus olhos, ela não percebeu já que os hormônios colocam um pano em cima de tudo o que é trevas e só enxergam o que é vermelho. Ele lutou bravamente dentro de três segundos e ignorou o coro de monges e padres que pregavam os valores da fidelidade andando como homens minúsculos por seu corpo, beliscando as partes sensíveis, tatuando com tinta preta as punições dos adúlteros. Caladas as vozes e partindo do argumento de que de sua parte não havia adultério, beijou-a, o que ela aceitou estremecida. O terror da traição não parecia tocá-la, pelo contrário, parecia libertá-la de longos anos de sono. Com o rosto a centímetros da face dela ele perguntou:
- Você conhece a doutrina dos pecados mortais?
Ela o olhou espantada, mas um espanto cheio de desejo:
- Não, eu odeio o cristianismo.
-Eu amo o cristianismo. – Beijou-a novamente e foi mais demorado dessa vez. Ela fechou os olhos e assim permaneceu. Ele a abraçou com força e continuou o interrogatório:
- Segundo a Igreja, um pecado mortal traz dano grave à alma e nos exclui do Reino de Deus. E há duas condições para se consumar um pecado mortal.
- Cale a boca, você vai pregar pra mim agora? – e riu gostosamente, não pela pregação, mas pela mão dele que começou a despi-la.
- Você tem conhecimento de que o adultério é uma ofensa grave aos bons costumes? – perguntou ele enquanto a desnudava. Ainda de olhos fechados ela respondeu:
- Claro que sei, todos sabem.
Agora ela já estava completamente nua enquanto ele explorava toda a sua pele.
- Você está de posse de sua razão? Nada está turvando seu senso de julgamento? – agora ele estava nu e preparado.
- Estou ótima.
-E você dá pleno consentimento a esse ato? Você, de livre e espontânea vontade, quer trair seu marido comigo?
Em uma mistura de palavra com gemido ela disse:
-Sim!
Eles se juntaram na dança milenar do prazer e ele sussurrou nos ouvidos dela:
-Então, meu amor, acabamos de entrar de mãos dadas no inferno.

E lá foram eles, sorrindo, a queimar no fogo do inferno.

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