Ele saiu do ensino médio com os livros de Nietzsche debaixo do braço, como se fosse a bíblia da nova geração. Nadou com ânimo nas páginas dos romances russos e passou horas caminhando com personagens em preto e branco de filmes franceses desconhecidos. Assim, sem nem mesmo perceber, entrou na sombria fileira religiosa dos intelectuais. Seu ensino médio doutrinado pelos sábios foi o doloroso catecismo que lhe mostrou a realidade, que dilacerou sua mente e a fez ficar do tamanho do mundo.
Para receber o batismo intelectual passou por uma cerimônia repleta de simbolismos onde pessoas vestidas de logomarcas de emissoras de TV aberta e com fantasias de escritores de best-sellers o perseguiam por um longo salão, enquanto ele arrastava correntes. Depois de ser perseguido teatralmente, ele se dirigiu a uma escada que o levava a um topo cheio de seres iluminados vestidos de Platão e alguns vencedores do Nobel de literatura. Então, liberto no topo do mundo, ele apontava o dedo para os pobres ignorantes abaixo da escada e gritava: "Libertem-se, filhos da ignorância, porque eu me libertei!" E todos aplaudiam emocionados.
Depois do batismo ele andava pelo mundo como se a filosofia o tivesse elevado de grau, como se as palavras de Dostoievski o tornassem um ser humano superior, um deus que passou a olhar todos os telespectadores de novela como se morassem em uma favela da cultura. Derramava lágrimas verdadeiras quando via os pobres pecadores se condenando na frente da TV ou fazendo filas para assistir filmes idiotas ou lendo romances de vampiros ou dançando ao som do funk e da música sertaneja ou...enfim....ó Minerva, Minerva, ó memória fantasmagórica de Nietzsche, ó espíritos russos e todas as almas penadas da filosofia, escutem agora essa oração e abençoem esses seres tão inferiores a mim, tão menores que se perdem como grãos de areia. Eu estudei, eu li, eu assisti Godard e discursei sobre a dominação das massas, sou melhor, sou melhor, sou melhor, sou melhor, sou superior a todos eles, estão abaixo de mim, eles precisam ler, eles precisam desenvolver o pensamento crítico, eles precisam parar de ver novela pois se tornarão amebas, eles não podem isso, não podem aquilo, tem que fazer isso, tem que fazer aquilo, isso é culto, isso é para massas e eu não sou massa, eles tem que ...vão para o inferno, por favor, vão para o inferno....
Quem disse aos homens que a filosofia torna alguém superior? Quem nos revelou que ser crítico nos tornaria deuses? Quem comprovou que os telespectadores de novela são menores? Quem pode pregar que esse livro é melhor e aquele outro é pior porque não está nas longas e tediosas listas da faculdade de letras? Eles viram a essência do conhecimento? Eles tocaram a verdade sobre o certo e o errado? E eu, que toquei em seres humanos realmente superiores na frente de uma tv onde assistiam a novela?
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