Eu estava sentado no banco da praça, bem em frente à igreja matriz. Toda igreja já é o suficiente para nos apontar o largo dedo da moral em nossa cara, mesmo assim acabou acontecendo o que aconteceu. O que não sai da minha cabeça é que foi bem em frente a essa igreja, esse é o elemento mais maligno desse acontecimento diabólico. Pois, como já disse, estava sentado nesse banco onde velhos e taxistas costumam ler jornais, e inocentemente deslizava meu dedo pela tela do celular. Encontrava-me concentrado no desfile infinito de opiniões, festas, biquinhos, propagandas, mais opiniões, carinhas, clipes, videos, enfim...no facebook. Depois de curtir a centésima piada senti um estranho comichão dentro de mim e um tédio mais poderoso do que a notificação que brilhava nos bytes se apoderou de mim. Não entendi bem o que acontecia, mas saí imediatamente do face, não sei, me entediou. Desejei sinceramente que esse tédio passasse logo pois uma notificação me esperava e nesse desejo me encontrava quando um homem sentou-se ao meu lado. Ele estava vestido com um terno preto de gravata azul e trazia uma maleta. Fiquei espantado, pois havia muitos bancos vazios na praça, ele não precisava dividir o mesmo que eu, certamente era um depravado ou um vendedor.
Depois de tentar voltar ao face e ser novamente vencido pelo tédio, observei discretamente o homem. Seu rosto era acolhedor e tinha um sorriso natural, ou seja, Deus tinha inscrito em sua face um sorriso que fazia parte de sua genética. Tomei consciência de seu perfume, era extremamente sedutor e seu poder era tão grande que logo estava me perdendo nele. Então, percebendo minha observação que estava deixando a discrição, o homem revelou ao que tinha vindo:
- Garoto, boa tarde! - Uma voz melodiosa, como se cada sílaba fosse uma nota eletrônica de uma balada misturada com vodca.
- Boa tarde- tentei desviar o olhar para mostrar que não queria conversa, mas não consegui. Serei assim tão fraco? Qualquer terno perfumado pode me levar com ele tão facilmente? Do que somos feitos? De desejos, de pensamentos, de carne ou de espírito? Agora não importa mais.
- Quero lhe propor um negócio. - disse o homem, direto ao ponto sem nem rodear com benefícios ou prejuízos.
- Um negócio? Eu não tenho dinheiro e não quero comprar nada. - nesse momento tinha recuperado um pouco o autodomínio.
- Não quero te vender nada, quero comprar algo.
Era um pervertido ou um traficante, isso era certo. Só não saí correndo porque o perfume me segurava e a voz melodiosa me prendia.
- Eu não estou vendendo nada.
- Todos estamos vendendo algo, meu caro, saibamos disso ou não. Vou direto ao ponto pois os raros leitores desse texto estão com pressa. Quero comprar sua alma.
Não pude evitar risos, não era um pervertido era um louco.
- Cara, você está falando sério?
- Mais sério impossível. Quanto você quer pela sua alma?
- Cara, então você é o capeta agora? Que loucura! - ri gostosamente e no riso me libertei um pouco do feitiço (ou caí mais ainda nele?)
- Não, não sou o capeta, já descobrimos que ele não existe. Só quero comprar a sua alma. Vamos, dê um preço.
Resolvi entrar na brincadeira do louco.
- Tudo bem...digamos que eu pedisse cem mil reais pela minha alma, você pagaria?
- Certamente sua alma não vale tudo isso, sejamos francos.
Fui ofendido pelas palavras dele. Como ele sabia que minha alma não valeria cem mil?! Oras, ele não me conhecia, eu poderia ser um santo com auréola e tudo, foi um descaramento. Só podia ser um argumento para pagar menos.
- Cinquenta mil e eu vendo.
- Se olhe no espelho, rapaz. Sua alma não vale tudo isso.
- Cara, como você é filho da puta. Senta do meu lado e diz que minha alma não vale nada! Quem você pensa que é? Trinta mil.
- Dou quinhentos reais pela sua alma.
-Quinhentos reais?! É menos que um salário mínimo. Minha alma não vale tão pouco. Nada feito.
- Os leitores já estão cansados e alguns já desistiram. Em respeito a eles ofereço um salário mínimo pela sua alma.
Pensei bem e sorri para o louco desvairado.
- Ok, eu vendo. Pelo menos um salário mínimo é uma medida respeitável.
- Se você acha. Bom, aqui está o seu dinheiro. - tirou R$ 620,00 da maleta e me entregou. Aceitei o dinheiro sorrindo tentando descobrir as câmeras da pegadinha ou a falsidade do dinheiro. O homem se levantou e foi embora. Não podia acreditar no que tinha acontecido, ainda mais quando descobri que o dinheiro era verdadeiro. Já fazem sete anos que essa transação misteriosa aconteceu e, cientificamente falando, apenas um doido me deu dinheiro de graça. Espiritualmente falando...bom...não sei....será? Toda noite dou uma examinada em meus olhos e fito o espelho por minutos atrás de um vestígio da alma. Até comparo fotos de antes e depois para ver se existe diferença, mas não encontro nada. Será que vendi mesmo minha alma? Como saber? certamente um dia saberei.
E o pior é que foi bem na frente da igreja.
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