quarta-feira, 18 de setembro de 2013

FRONTEIRA




Era um dia sagrado e  por isso aquela multidão de mulheres caminhava para o cemitério com flores nas mãos e velas acesas. De longe poderíamos pensar que se tratava de um enterro, mas não havia defuntos a serem velados, nem lágrimas se derramando. O motivo daquela procissão era a devoção a Santa Salomé, protetora fiel daquelas mulheres que enfeitavam as flores com seus rostos cheios de sofrimento. 
Diversas pessoas olhavam desconfiadas pelas janelas de suas casas e outras mais conhecedoras de teologia lançavam expressões de reprovação e até de nojo. Assim como estamos, observando de longe, não dá para perceber, mas ao nos aproximarmos percebemos que as mulheres da procissão utilizam roupas, digamos assim, inadequadas, pequenos shorts, camisas que exibiam demais e vestes semelhantes. Certamente conhecemos o que essas vestes representam e ali, naquela rua pobre da América Latina, a primeira impressão geralmente é a verdadeira. 
A procissão seguia firme e donas de casa precavidas fechavam suas janelas e portas para que seus maridos tão fracos não se tornassem devotos de Santa Salomé. Crianças que ainda não sabiam diferenciar donas de casa das senhoras que desfilavam pelas ruas, brincavam em meio à procissão até que suas mães as tiravam de lá envergonhadas. 
Então chegaram ao cemitério onde o túmulo da santa ficou coberto de flores. As prostitutas se ajoelharam e rezaram juntas para que Santa Salomé as abençoasse. De pé apenas o padre corajoso, que tomado por sua teologia da libertação resolveu presidir aquela cerimônia. Lutando contra as insinuações que se ajoelhavam diante de si, o padre começou sua cerimônia invocando Deus e seus santos para abençoar aquelas mulheres. Enquanto movimentava seus braços no sinal da cruz percebeu os olhos marejados de lágrimas das mulheres, percebeu sorrisos de pessoas em paz, como se ali pudessem agora morrer. 
Mal terminou o sinal da cruz seu celular tocou. Pediu licença, afastou-se e atendeu. Era seu bispo.
- Você será punido terrivelmente por presidir esse tipo de cerimônia. A Igreja não canoniza mulheres que foram prostitutas sem se arrepender. Sua presença aí canoniza uma mulher da vida! Salomé foi prostituta até morrer! Você envergonha a Igreja. 
O padre olhou para as mulheres ainda ajoelhadas, rezando com lágrimas e sorrisos. Então respondeu:
- Se o senhor estivesse aqui não conseguiria encontrar o limite que diferencia a santidade do pecado. Diante de Santa Salomé, prostituta e santa do povo, vejo que a fronteira entre a santidade e o pecado é próxima...tão próxima que não vejo nenhuma diferença. Os olhos dessas mulheres em lágrimas derramam agora lágrimas de santa. 
O bispo desligou furioso. O padre sorriu, mas estava demitido. 

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