quinta-feira, 10 de outubro de 2013

MOZART E A PROSTITUTA






Eu não posso acreditar que ela está assoviando Mozart. Há sete minutos ela estava nos faróis da Avenida, em seus trajes sensuais e exagerados, oferecendo em cada batom a máscara do sexo pago. Aproximei-me e ela parecia ser tão doce, tão delicada, ao me informar o preço senti um hálito de morango e cereja, enfim, hálito de prostituta. Agora, sentada ao meu lado, enquanto passamos por suas ruas cada vez menos movimentadas, ela quebra o tradicional silêncio que precede o pecado e ousa assoviar Mozart.
Cada nota sagrada balbuciada por ela me enche de ódio, até minha visão turva de ira. Mozart não pode passar pelos lábios de uma puta, isso é contra todas as leis a que homens infinitos juraram servir. Lá, onde a eterna vida de Mozart continua sua caminhada, ondas de erros devem estar assustando seus ouvidos sem carne, “O que é isso? O que meus ouvidos estão a escutar? Minha música nos lábios de uma meretriz?! Notas da mais elevada música na língua da mais impura das mulheres! Quero morrer novamente!”.
E lá vamos nós entrando na morte novamente, desfilando seminus nas ondas sonoras da música clássica, cantadas pelo ar caro de uma prostituta de rua. Cá estamos, é a morte, sim, esse motel é a morte.
Agora não há mais eu e a prostituta, somos uma única massa unida nessa cama falsa que de tão unidos no prazer acabaram infinitamente separados no tudo o mais que sempre importou. E nesses gemidos e gotas de suor não há mais valor algum na música de Mozart e não consigo mais encontrar nenhuma sujeira nos ares e no assovio dessa mulher. Na consumação rápida, que durou bem menos de uma hora pra se efetivar, gritei alto e nesse grito escutei os gritos fingidos de todas as damas com quem já dormi...e foram muitas.
Ela está assoviando Mozart de novo e eu não me incomodo mais, afinal obtive o que comprei. Vou elogiá-la agora, ela está se empenhando na música há tanto tempo que acho que deve fazer parte do serviço e toda mulher (até essas) gosta de elogios:
- Estou adorando seu Mozart assoviado!
Ela nem olhou para mim enquanto disse:
- É Vivaldi, não Mozart!
Merda...com certeza é Vivaldi. E eu esse tempo todo pensando em Mozart! Não me importo com Vivaldi. E por que ela não pode assoviar Mozart se eu posso? Bom, quero morrer novamente.
Sim, quero morrer novamente escutando a droga do Vivaldi.   

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