Eu não posso acreditar que ela
está assoviando Mozart. Há sete minutos ela estava nos faróis da Avenida, em
seus trajes sensuais e exagerados, oferecendo em cada batom a máscara do sexo
pago. Aproximei-me e ela parecia ser tão doce, tão delicada, ao me informar o
preço senti um hálito de morango e cereja, enfim, hálito de prostituta. Agora,
sentada ao meu lado, enquanto passamos por suas ruas cada vez menos
movimentadas, ela quebra o tradicional silêncio que precede o pecado e ousa
assoviar Mozart.
Cada nota sagrada balbuciada por
ela me enche de ódio, até minha visão turva de ira. Mozart não pode passar
pelos lábios de uma puta, isso é contra todas as leis a que homens infinitos
juraram servir. Lá, onde a eterna vida de Mozart continua sua caminhada, ondas
de erros devem estar assustando seus ouvidos sem carne, “O que é isso? O que
meus ouvidos estão a escutar? Minha música nos lábios de uma meretriz?! Notas
da mais elevada música na língua da mais impura das mulheres! Quero morrer
novamente!”.
E lá vamos nós entrando na morte
novamente, desfilando seminus nas ondas sonoras da música clássica, cantadas
pelo ar caro de uma prostituta de rua. Cá estamos, é a morte, sim, esse motel é
a morte.
Agora não há mais eu e a
prostituta, somos uma única massa unida nessa cama falsa que de tão unidos no
prazer acabaram infinitamente separados no tudo o mais que sempre importou. E
nesses gemidos e gotas de suor não há mais valor algum na música de Mozart e
não consigo mais encontrar nenhuma sujeira nos ares e no assovio dessa mulher.
Na consumação rápida, que durou bem menos de uma hora pra se efetivar, gritei
alto e nesse grito escutei os gritos fingidos de todas as damas com quem já
dormi...e foram muitas.
Ela está assoviando Mozart de
novo e eu não me incomodo mais, afinal obtive o que comprei. Vou elogiá-la
agora, ela está se empenhando na música há tanto tempo que acho que deve fazer
parte do serviço e toda mulher (até essas) gosta de elogios:
- Estou adorando seu Mozart
assoviado!
Ela nem olhou para mim enquanto
disse:
- É Vivaldi, não Mozart!
Merda...com certeza é Vivaldi. E
eu esse tempo todo pensando em Mozart! Não me importo com Vivaldi. E por que
ela não pode assoviar Mozart se eu posso? Bom, quero morrer novamente.
Sim, quero morrer novamente
escutando a droga do Vivaldi.
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