quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Aquilo que amas



                                             

Quando cheguei ele percebeu que algo sério iria acontecer. Depois de um ano ele aprendeu a ler meus olhos, meus dedos se tocando, minha língua molhando os lábios com uma insistência insana. Por isso, assim que cheguei ele já se sentou no banco e se preparou. Sentei-me a seu lado e depois de um silêncio tristíssimo iniciei a revelação da verdade da qual já desconfiava há séculos, mas que só naquele dia tive coragem de dizer.
- Eu não te amo de verdade.
O verbo amar, a própria raiz dessa palavra ....am....está tão desgastada que já não sabemos o que queremos dizer quando a usamos. Escuta-se amores daqui e amores ali, mas...onde, Grande Deus do Universo, encontraremos o que essa palavra realmente quer dizer. Será que algum ser iluminado de pés nesse mundo conseguiu tocar o significado dessa palavra? Vocês já tocaram? vejo letras amarradas umas às outras anunciando bobagens...nada mais. Quem é o felizardo ou o desgraçado que entrou dentro dessas quatro letras e entendeu o que nosso tempo perdeu a capacidade de entender. O que é o amor? O século passado foi o último que o viu com facilidade, nosso tempo não o conhece....e se o conhece o  faz com muito suor.
-Como assim você não me ama, Carlos? - disse ele aflito.- Já faz um ano, cara.
- Eu não te amo de verdade. - era a hora de dizer. - eu amo seu rosto, amo seus cabelos arrepiados, amo seus olhos castanhos, amo seus braços tatuados, amo suas mãos lisas de creme, amo sua voz metálica, amo seu perfume, amo seu peito, amo seu pênis, amo sua boca...mas não amo isso que está dentro de você. Tudo isso que eu amo não é você. 
Ele me olhou por um tempo espantado e logo um sorriso brotou lentamente em seu rosto. Foi a minha vez de se espantar, pois percebi que ele ria de minha agonia como um pai ri de uma bobeira dita por uma criança focada em fantasias. 
- Por que ri? -perguntei.
- Porque você está muito enganado. 
- Não, não estou. Tenho certeza de que o que amo não é você.
Ele riu mais ainda e pegou minha mão demonstrando alívio.
-Você está muito enganado. Eu sou meu rosto, meus cabelos arrepiados, meus olhos castanhos, meus braços tatuados, minhas mãos lisas de creme, minha voz metálica, meu perfume, meu peito, meu pênis e minha boca. Se você ama isso, você me ama. Eu sou isso e nada mais. 
Quem é o iluminado, Ó Luz que sussurra no Universo, que entrou nessas quatro letras e amarrando seus significados descobriu o que é isso? Amor...alguém em nosso tempo o conhece? 

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